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Reforma do Código Civil afetará atividade seguradora, afirmam especialistas

Projeto traz questões como mudanças no contrato de seguro, na sucessão familiar e responsabilidade civil

Por João Pedro Polido

No mês de abril, a comissão de juristas criada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, aprovou o Anteprojeto com propostas de atualização do Código Civil (CC) de 2002, que agora seguirá os trâmites na Casa Legislativa. De acordo com a Agência Senado, entre as inovações estão a inclusão de uma parte específica sobre o direito digital, Responsabilidade Civil e a ampliação do conceito de família, impactando diretamente o mercado de seguros.

Segundo o Coordenador da Comissão Jurídica do Sincor-SP, Adilson Pereira, o Código Civil é o principal instrumento de organização da vida negocial do país, ao lado do Código de Defesa do Consumidor e, dessa forma, modificações inseridas nesse diploma levam à necessidade de adequação dos contratos, procedimentos e controles, ainda que não refiram especificamente às regras de seguros, constantes dos artigos 757 a 802. “Por exemplo, modificações que digam respeito à prescrição, contratos por adesão, prazos para avisos de sinistros, capacidade de pessoas, sucessão e outros, interferem diretamente no mercado segurador e, por consequência, afetam o trabalho do corretor de seguros”, afirmou.

Para a advogada Marcia Cicarelli, uma das principais alterações promovidas pela proposta de atualização do CC diz respeito ao artigo 757-A, que incorpora a previsão já constante da regulamentação administrativa, mais especificamente a Resolução CNSP nº 407/21, para tratar dos seguros de grandes riscos. “Segundo o artigo, os contratos de grandes riscos devem ser presumidos como paritários e simétricos, tendo as partes ampla liberdade para elaboração de suas cláusulas, inclusive quanto aos meios de solução de conflitos. É uma distinção importante quanto à proposta do PLC 29/2017, que não diferencia seguros de grandes riscos dos seguros massificados, prevendo um regramento único a despeito da natureza e forma de negociação dos contratos serem manifestamente diversas”, apontou.

Importante destacar, desde logo, que atualmente há duas propostas legislativas acerca do contrato de seguro: a da Reforma do CC, que também tratou dos seguros no Capítulo XV, e o PLC 29/17. Resta saber qual delas prevalecerá ou se convergirão, resultando num texto único final.

Outra proposta de alteração relevante, identificada pela especialista, refere-se ao artigo 771, que passa a prever que o segurado deve avisar o sinistro à seguradora no prazo máximo de 15 dias, contado da data de sua ciência inequívoca, sob pena de perda do direito à indenização. “Tal proposta impacta positivamente a atividade do corretor, conferindo maior clareza e segurança nas orientações ao segurado e no cumprimento do prazo de encaminhamento do aviso à seguradora. Esse prazo poderá ser aumentado para 60 dias se o segurado provar que não tinha condições razoáveis de avisar o sinistro anteriormente”.

Para o advogado e colunista do Estado de S. Paulo, Antônio Penteado Mendonça, ainda é muito cedo para falar a respeito do tema. “Ainda não há um código revisto. O projeto apresentado tem avanços e retrocessos, mas estão querendo tocar o assunto a toque de caixa no Senado”, comentou.

Seguro de Pessoas

De acordo com o advogado Lúcio Bragança, a reforma propõe diversas alterações no conceito de casamento e família. No tocante ao casamento, que hoje é definido como a união de homem e mulher, passa a ser conceituado como a união entre “duas pessoas”. “A mudança, entretanto, não chega a ocasionar uma alteração significativa na vida prática, eis que a jurisprudência já reconhecia a união homoafetiva como entidade familiar. Não obstante, algumas das alterações propostas trazem impacto à vida cotidiana, inclusive para o contrato de seguro. Especificamente no ramo de Seguro de Pessoas, a influência maior será relativa aos beneficiários”, garantiu.

Bragança apontou para duas novidades de grande impacto. A primeira, prevista pelo Anteprojeto, é a extinção da “separação judicial”, passando a existir apenas o divórcio e a separação de fato. Consequentemente, o primeiro ponto é definir quando o Código determina o pagamento “ao cônjuge não separado de fato” ou “cônjuge não divorciado”.

Outro aspecto seria de que o cônjuge deixa de ser herdeiro necessário, não mais concorrendo com os filhos de acordo com o regime de casamento, como dispõe o atual artigo 1.829. “Essa redação sempre foi problemática para o seguro de pessoas, na medida em que o atual artigo 792 determina o pagamento do capital, metade ao cônjuge e a outra metade aos herdeiros. Com a proposta de atualização do art. 1829, o problema estaria resolvido”.

O advogado fez uma ressalva. “É necessário um esclarecimento, ante a diversidade de fake news e críticas frequentes sem supedâneo nos fatos que grassam em torno do Anteprojeto. Embora seja concedida especial proteção aos animais, qualificando-os como ‘seres vivos sencientes’, e determinando elaboração de lei própria a discipliná-los, eles não passam a ter personalidade jurídica, de modo que não podem ser designados como beneficiários. Se um segurado designar seu animal de estimação como beneficiário do seguro, a tendência é de que a escolha seja considerada inválida e o pagamento seja efetuado nos termos precitados no artigo 792”, esclareceu.

Responsabilidade Civil

Na visão do consultor e mestre em Direitos Difusos, Walter Polido, ocorrerá uma verdadeira “revolução” conceitual no campo da Responsabilidade Civil, na medida em que a proposta dos juristas amplia consideravelmente o referido instituto jurídico. “Os chamados ‘danos extrapatrimoniais’ serão supervalorizados, assim como o dano moral, dano existencial, perda de tempo produtivo, dano social. Esse tipo de evolução da RC expõe os segurados aos diferentes ‘novos’ riscos acolhidos pelo CC, sendo que a indenização devida, toda vez que o segurado causar danos a terceiros, deverá levar em conta, na composição do valor, todas essas parcelas de ‘novos danos’. O mercado de seguros nacional não poderá ficar alheio a esse tipo de mudança, devendo oferecer as garantias necessárias aos mais diferentes tipos de seguros, conforme as apólices de seguros RC comercializadas”.

Segundo o profissional, com a reforma, os aspectos punitivo e dissuasório se tornarão presentes objetivamente na lei, contribuindo para a revisão dos parâmetros atualmente utilizados pelas Cortes de Justiça no arbitramento das sentenças. “Em termos securitários, tudo isso refletirá em maior exposição de riscos e a tendência será a elevação do nível do montante pecuniário das condenações. As indenizações sendo muito mais recorrentes despertarão o interesse pela contratação de seguros RC, dos mais diferentes tipos, como forma de proteção patrimonial. Os seguros de RC, nas sociedades modernas, têm essa conotação de ‘dever social’, ou seja, a necessidade de cada cidadão produtor de riscos contratá-lo, não só para preservar o seu patrimônio diante da obrigação de indenizar, mas também para garantir que os outros membros da coletividade, afetados pelos danos, serão efetivamente indenizados”, analisou.

Modificações que digam respeito à prescrição, contratos por adesão (…), interferem diretamente no mercado segurador e, por consequência, afetam o trabalho do corretor de seguros”.

Adilson Pereira
Coordenador da Comissão Jurídica do Sincor-SP

Corretores de Seguros

Márcia espera que as alterações impactarão na atividade dos corretores de seguros. Quanto à previsão expressa no Código Civil dos seguros de grandes riscos, pode ser um estímulo ao mercado segurador no desenvolvimento e negociação dessas apólices com os segurados, o que ainda se vê de modo bastante incipiente, apesar da autorização regulatória existir desde 2021. “Neste cenário, a atuação do corretor na intermediação do contrato será ainda mais essencial para que a apólice contratada seja a mais personalizada possível para atender os riscos do negócio do segurado. Ainda, é possível vislumbrar uma maior abertura para criação de novos produtos, inclusive com base na experiência estrangeira e, consequentemente, a geração de novos negócios. O cenário também requer especialização concentrada do corretor de seguros”, projetou.

Pereira também projetou que a revisão do CC permitirá uma série de novas oportunidades para negócios. “Eu não tenho dúvidas de que o corretor de seguros sempre encontrará formas de aproveitar as modificações em prol de ampliar as ofertas de produtos aos seus clientes. No mínimo, devem observar que se impõem cuidados na reavaliação dos contratos vigentes ou mesmo nas novas contratações”, finalizou.

A atuação do corretor na intermediação do contrato será ainda mais essencial para que a apólice contratada seja a mais personalizada possível para atender os riscos do negócio do segurado”.

Marcia Cicarelli
Advogada

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