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Um pedido de socorro

Responsáveis por garantir a proteção das pessoas, os corretores de seguros se veem dentro do sinistro, lutando para reconstruir os sonhos levados pela calamidade no Rio Grande do Sul

Por Elaine Lisbôa

“Nós abandonamos a nossa casa com a água entrando no piso de cima. Aí, a vizinha falou: ‘vocês não vão sair? Agora, saiam’. Então, a ficha foi caindo devagarinho”, lembra a corretora de seguros Francisca Terezinha Diedrich, vítima da calamidade no Rio Grande do Sul.

O Estado passa pela maior tragédia climática da sua história. Chuvas intensas devastaram quase todos os municípios. Segundo dados da Defesa Civil, divulgados até o fechamento desta edição, das 497 cidades, 469 foram atingidas, prejudicando mais de 2,3 milhões de pessoas.

E os números continuam assustadores: 580 mil pessoas estão desalojadas, morando de favor na casa de parentes, amigos e desconhecidos; outras 48 mil seguem em abrigos por tempo indeterminado; 170 pessoas morreram e mais de 50 estão desaparecidas.

580 mil pessoas desalojadas; 48 mil seguem em abrigos; 170 óbitos; 50 desaparecidos

“A minha primeira reação foi ficar sem reação. Meus irmãos e amigos foram resgatar as pessoas, porque a água subiu muito rápido. Teve gente em risco, muito óbito, então é uma situação que a gente não espera e não está preparado”, conta a corretora de seguros e diretora da Regional Campinas do Sincor-SP, Betine Theisen de Castro.

A família de Betine mora no Rio Grande do Sul e a tragédia levou embora a casa do irmão dela. Ele não esperou a água subir, assim que começaram as notícias, decidiu subir os móveis para o segundo andar e, com a esposa e os animais de estimação, abandonou a casa.

A calamidade afetou a todos, inclusive aqueles que sempre protegem a vida e o patrimônio das pessoas. Os corretores de seguros se viram dentro do sinistro, lutando para preservar a própria vida, e ainda preocupados em garantir a assistência necessária aos seus clientes.

Moradores da cidade de Estrela desde 1980, Francisca e o marido, também corretor de seguros, João Gabriel Diedrich, perderam a casa e a empresa, conquistas de uma vida inteira de muito trabalho. “Meu filho havia me avisado para deixar o carro na frente da casa, porém não pensamos que a água fosse entrar, porque nunca aconteceu isso antes. Mas, à noite, estava inquieto, olhei para o fundo da casa e a água estava vindo. Nós saímos ‘fugido’. A água começou a subir tão ligeiro, que cercou toda a casa, diz Diedrich.

“A gente arrepia só no falar, porque o emocional está bastante abalado. Ficamos sem saber como proceder… O que eu faço é orar, estamos, realmente, em um momento de fragilidade emocional”, completa Francisca, emocionada.

A resposta ao pedido de socorro veio de outro corretor de seguros, que chamou o casal para se abrigar em sua própria casa. Amigo da família desde sua infância, Augusto Schlabitz de Godoy ficou preocupado com a situação do casal, por isso, logo convidou para ficar em sua casa. “Foi uma imensidão de água. O João Gabriel e a Francisca moram em Estrela e eu moro aqui, em Lajeado. Eles vieram pra cá e depois disso a ponte estava interditada. Para se ter uma ideia, da ponte até o rio são 34 metros de altura e a água passou por cima da ponte. Estamos trabalhando muito e nos emocionamos pensando em tudo o que já passamos, sabendo que a caminhada vai ser muito longa ainda”. Godoy conta que também perdeu imóveis na tragédia. “A única coisa que ficou de pé foi a minha casa, o resto tudo foi embora. A água levou embora.”

“Nós abandonamos a nossa casa com a água entrando no piso de cima. Aí, a vizinha falou: ‘vocês não vão sair? Agora, saiam’. Então, a ficha foi caindo devagarinho”.

Francisca Terezinha Diedrich
Corretora de seguros, vítima da calamidade no Rio Grande do Sul

Auxílio do mercado de seguros brasileiro

Os corretores de seguros e securitários do Estado começaram a pedir ajuda ao Sincor do Rio Grande do Sul, ao Sindseg e a outras entidades do mercado. Isso levou as instituições a montarem um gabinete de crise, que seria responsável por atender as necessidades emergenciais.

“Começamos a receber muitas demandas dos nossos colegas corretores de seguros e securitários, funcionários de assessorias, que passaram a sinalizar que estavam em situação de calamidade, impossibilitados de atender os seus clientes, com escritórios alagados, residências alagadas. Pessoas que saíram de casa sem absolutamente nada, nem o próprio celular. Não sabiam pra quem ligar, com quem falar” conta o presidente do Sincor-RS, André Thozeski.

As entidades criaram uma chave Pix única para recolher doações e, assim, auxiliar os profissionais. E essa corrente do bem mobilizou o mercado de seguros do Brasil inteiro. Através do Comitê Corretor de Seguros Agente do Bem-Estar Social, o Sincor-SP e as entidades do Estado de São Paulo se uniram ao movimento para ajudar, divulgando e incentivando a contribuição.

As doações continuam sendo feitas diretamente para o SindsegRS, através da chave Pix CNPJ 92947241/0001-60 ou por depósito na conta Bradesco, agência 0491-0 e conta corrente 0555464-0.

“Estamos enviando recursos para lá e estimulando os corretores a fazerem o mesmo. Para ganhar mais força e alcançar mais pessoas, reunimos ainda as entidades para nos ajudar neste esforço coletivo”, aponta o presidente do Sincor-SP, Boris Ber.

“Eles vieram pra cá e depois disso a ponte estava interditada. Para se ter uma ideia, da ponte até o rio são 34 metros de altura e a água passou por cima da ponte. Estamos trabalhando muito e nos emocionamos pensando em tudo o que já passamos, sabendo que a caminhada vai ser muito longa ainda”.

Augusto Schlabitz de Godoy
Corretor de seguros que abriga colegas em sua casa

“Começamos a receber muitas demandas dos nossos colegas corretores de seguros e securitários, funcionários de assessorias, que passaram a sinalizar que estavam em situação de calamidade”.

André Thozeski
Presidente do Sincor-RS

A ação organizada pelo Sincor-SP conta com o apoio da Associação Paulista dos Técnicos de Seguro (APTS), da Câmara dos Corretores de Seguros do Estado de São Paulo (Camaracor), dos Clubes dos Corretores de Seguros do ABC, da Costa da Mata Atlântica, de Osasco, de Piracicaba, de São Paulo e de Sorocaba, do Clube Vida em Grupo SP (CVG-SP), do Sindicato das Empresas de Seguros e Resseguros (SindsegSP), da Sociedade Brasileira de Ciências do Seguro (SBCS) e da União dos Corretores de Seguros (UCS).

“Ficamos muito emocionados ao ver o País inteiro, sem exceção, olhando para o sul, olhando para os seus irmãos, alcançando aquilo que é possível, e fundamentalmente essa corrente do bem, de pessoas mandando mensagens positivas, dizendo ‘vai passar’”, agradece Thozeski.

E esse gabinete também mobilizou os corretores e as seguradoras da região, para montarem uma força tarefa e atenderem os segurados dos corretores afetados pela tragédia.

“Os corretores perderam tudo: suas corretoras, suas casas e seus bens. E para que não haja um desamparo desse corretor, as seguradoras estão fazendo um ativo em relação às suas carteiras, contribuindo para fazer a renovação, principalmente dos profissionais que hoje estão em abrigos”, explica a 1ª vice-presidente do Sincor-SP, Simone Fávaro, que é coordenadora da Comissão Intersindical, responsável por discutir demandas comuns entre corretores e seguradoras em busca de melhorias comerciais.

Simone explica que as seguradoras como um todo voltaram a atenção para o público do Rio Grande do Sul, fazendo a gestão da carteira dos corretores, garantindo indenizações sem vistoria e ampliando prazos de pagamento de parcelas e renovações.

“Além do serviço de Assistência 24h, as seguradoras começaram com algumas ações, como prorrogação de parcelas e renovações, envio de guinchos, lanchas, jet skis, psicólogos… Iniciativas que vão além do que estamos acostumados a atuar”, completa.

A Porto, por exemplo, criou um comitê de crise, que funciona diariamente, inclusive nos finais de semana, justamente para entender o que está acontecendo e tentar, ao máximo, contribuir. “Eu fui em alguns bolsões e acompanhei os veículos sendo enviados, e todo esse processo está sendo muito rápido, com pagamento das indenizações acontecendo em cerca de quatro dias”, destaca o CEO da Porto Seguro, Rivaldo Leite.

“Estamos enviando recursos para lá e estimulando os corretores a fazerem o mesmo. Para ganhar mais força e alcançar mais pessoas, reunimos ainda as entidades para nos ajudar neste esforço coletivo”.

Boris Ber
Presidente do Sincor-SP

Mas o trabalho continua…

A proporção dos prejuízos ainda é incerta e os desdobramentos trazem medo e insegurança. De cada 10 indústrias, nove foram atingidas, o que vai refletir diretamente na geração de empregos e na contratação do seguro.

“Cerca de 90% da indústria gaúcha foi atingida. Então, as consequências sociais vão ser muito severas. A maioria dos comércios atingidos não tem proteção de seguro. Não tem proteção nenhuma. São empresas que vão deixar de existir, são empregos que vão deixar de existir. São comunidades inteiras que foram dizimadas, que deixaram de existir. As consequências sociais são incalculáveis”, relata Thozeski.

“Existe uma grande dúvida no ar ainda que é o tamanho desse prejuízo horroroso. Foi uma tragédia que ninguém imaginava. A gente vê água em cima do poste… Quando poderíamos imaginar que teríamos uma cidade no Brasil com água na altura do poste?”, aponta o diretor executivo do SindsegSP, Fernando Simões. “Todo mundo, de um jeito ou de outro, está fazendo o melhor que pode, e isso não temos dúvida nenhuma. Mas uma coisa é certa: vamos aprender muito com isso.”

O economista Francisco Galiza explica que o Rio Grande do Sul representa 6% do PIB e 8% do mercado de seguros. A estimativa inicial é que traga impacto de cerca de 1% no crescimento do setor em 2024. “Isso, talvez, afete 1% do crescimento do setor. Se fosse 12%, o que era antes da tragédia, talvez agora seja 11%.”

Mas, apesar dos desafios, ele reforça as lições que sempre são deixadas pelas grandes catástrofes. “Essas tragédias têm, por incrível que pareça, um aspecto positivo. Sei que é difícil falar isso, sobretudo num momento de tragédia, mas a história ensina isso. Por exemplo, a Segunda Guerra Mundial começou com avião a hélice e terminou com avião a jato, começou sem penicilina e passou a ter penicilina. A pandemia trouxe uma revolução com as vacinas e já se discute vacinas de RNA para câncer. Então, não é cinismo da parte de ninguém falar isso, mas essa tragédia, depois que a coisa passa, ensina algumas coisas positivas e a história mostra isso”, defende o economista.

A corretora Betine de Castro reforça que o povo do Rio Grande do Sul não pode ser esquecido. “Agora, está tendo muita ajuda, mas vai ser uma parte importante estar lá na hora que a água baixar para ajudar a reconstruir”, conclui.

“Além do serviço de Assistência 24h, as seguradoras começaram com algumas ações, como prorrogação de parcelas e renovações, envio de guinchos, lanchas, jet skis, psicólogos… Iniciativas que vão além do que estamos acostumados a atuar”.

Simone Fávaro
1ª vice-presidente do Sincor-SP e coordenadora da Comissão Intersindical

“Eu fui em alguns bolsões e acompanhei os veículos sendo enviados, e todo esse processo está sendo muito rápido, com pagamento das indenizações acontecendo em cerca de quatro dias”.

Rivaldo Leite
CEO da Porto Seguro

“Não é cinismo da parte de ninguém falar isso, mas essa tragédia, depois que a coisa passa, ensina algumas coisas positivas e a história mostra isso”.

Francisco Galiza
Economista

“Agora, está tendo muita ajuda, mas vai ser uma parte importante estar lá na hora que a água baixar para ajudar a reconstruir”.

Betine Theisen de Castro
Corretora de seguros e diretora da Regional Campinas do Sincor-SP, com família afetada pela tragédia

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