
Seguros e resseguros enfrentam ambiente duro em preços após década de baixa
15 de setembro de 2022Os mercados de seguros e resseguros passam por um endurecimento de preços em todo o mundo, chamado como momento ‘hard’, no jargão de mercado, após uma década de baixa, cujas condições mantinham ‘soft’ ano a ano. Enquanto expurgam os efeitos da pandemia da covid-19, as empresas têm de lidar com alta da inflação e dos juros. O resultado é um aumento de preços tanto para as seguradoras quanto para o cliente final, e em alguns casos, uma redução das coberturas em setores-chave.
O impacto se dá, sobretudo, nos seguros corporativos e de grandes riscos, suportados por linhas de negócios internacionais e que sofrem influência do mercado de resseguros, o chamado seguro das seguradoras. Nesta conta, estão diferentes apólices contratadas pelo mundo empresarial, como as que protegem o patrimônio de grandes corporações e aquelas voltadas a setores específicos como aeronáutico, petróleo e de agronegócios.
O endurecimento das condições lá fora começou antes mesmo da pandemia. ‘Estamos em uma tendência de mercado endurecendo de forma severa há dois ou três anos’, diz a diretora executiva de placement da corretora Marsh Brasil, Eduarda Tenes. Essa piora chegou aqui, diz, com a renovação dos contratos de seguradoras locais com resseguradoras expostas ao exterior, o que nivelou condições.
Levantamento da Marsh aponta que, na América Latina, os preços de seguros têm desacelerado, mas que no Brasil, o cenário é o oposto. As taxas do seguro patrimonial subiram 13% no segundo trimestre, por exemplo.
‘O seguro patrimonial enfrenta um aumento de taxas importante como nunca passou desde o World Trade Center’, afirma o CEO da Swiss Re Corporate Solutions para a América Latina, Angelo Colombo, em entrevista ao Broadcast, referindo-se ao ataque às torres gêmeas, em Nova York, que completou 21 anos no último domingo, dia 11.
O momento desse nivelamento é desafiador, diante da inflação alta no mundo todo. ‘A inflação tem impacto no custo de reposição do bem, e para a seguradora, aumenta o custo dos sinistros’, diz o vice-presidente de riscos e seguros corporativos da Aon Brasil, Mauricio Masferrer.
A estes dois fatores, soma-se um terceiro: a guerra na Ucrânia. ‘O segmento de aviação tem uma cobertura de guerra que cobre confisco. Quando houve as sanções à Rússia, houve um confisco de aeronaves (de lessores estrangeiros) pelo governo russo’, exemplifica o vice-presidente de danos, responsabilidades e riscos especiais do IRB Brasil Re, Daniel Veiga.
O efeito guerra é mais um que entra nas negociações entre as seguradoras locais e as resseguradoras, e que faz com que os preços dos riscos subam. No mercado doméstico, o seguro já pesou mais nos bolsos dos donos de automóveis e dos produtores agrícolas diante tanto da inflação de peças e insumos quanto das perdas causadas pela seca, no segundo caso.
Menos cobertura
A seca que levou a quebras de safra no começo deste ano reduziu a oferta de seguro rural no Brasil, porque fez com que muitas seguradoras simplesmente parassem de aceitar novas apólices diante do prejuízo que sofreram. ‘Há seguradoras cuja principal linha era no agronegócio, e que estão fechadas para novos negócios’, afirma o responsável por seguros paramétricos da Marsh Brasil, Caio Lhano.
As resseguradoras globais já vinham de um ciclo complexo após a pandemia, que gerou perdas em diferentes linhas de negócio, do patrimonial ao vida. ‘No atacado, vimos uma série de perdas, então, há uma redução da capacidade de resseguros’, afirma Torsten Leue, CEO do grupo alemão Talanx, dono da HDI, ao Broadcast, durante vinda ao Brasil.
Veiga, do IRB, diz que o atual ciclo de endurecimento das condições de mercado pode ser mais longo que os anteriores. Nos últimos 15 anos, cita, os períodos de ‘soft market’ vinham se alongando, e os de ‘hard market’ ficaram mais curtos. Agora, porém, a indústria vem de uma pandemia e enfrenta um aperto monetário, que enxuga a liquidez disponível, mesmo para as seguradoras. ‘Conversando com agentes de mercado, a percepção é de que esse ciclo se alonga um pouco mais, diante do volume de incertezas.’
Agentes esperam que a redução na capacidade de linhas tradicionais dê força a produtos mais flexíveis, que cobrem apenas alguns riscos, como um volume excessivo de chuvas, ou mesmo a falta delas. Lhano, da Marsh, afirma que nos últimos três anos, a busca pelos seguros paramétricos aumentou entre produtores rurais, embora essa modalidade ainda seja menos representativa no mercado brasileiro.
Um fator que preocupa e desafia o mercado de seguros é a baixa penetração de seguros diante eventos de prejuízos vultosos como os relacionados ao clima, principalmente, em economias em desenvolvimento, caso do Brasil. É o chamado ‘protection gap’ que, na prática, indica o quanto um país carece de proteções em apólices de seguro para voltar à posição de equilíbrio após uma grande catástrofe.
No ano passado, essa lacuna de seguros bateu novo recorde, a US$ 1,42 trilhão ante US$ 1,38 trilhão em 2020, conforme a Swiss Re. Para este ano, a escala da inflação deve fazer com que esse número siga em trajetória ascendente. A Swiss Re projeta um aumento de US$ 55 bilhões na lacuna global de proteção de seguros ou cerca de 3,8% do gap total.
De acordo com Colombo, embora seja uma preocupação mundial, na América Latina, o assunto é mais ‘gritante’. Em 2021, foram US$ 900 milhões em indenizações relacionadas a eventos de catástrofes naturais contra uma perda econômica de US$ 5,6 bilhões. Os números contrastam com os da América do Norte, que registrou US$ 148 bilhões em perdas por eventos de catástrofe natural no ano passado, sendo que US$ 81,2 bilhões estavam segurados.
‘É realmente pouco. A América Latina tem o pior resultado. Perdemos até para a África’, diz Colombo, alertando para o espaço para o avanço da cultura de seguros no Brasil.
Fonte: O Estado de S. Paulo