Por Antonio Penteado Mendonça*
O seguro de vida brasileiro indeniza morte por qualquer causa, ou seja, em princípio, o evento morte, independentemente de sua origem, estaria coberto pelo seguro. Mas, na prática, existem exceções a regra e elas estão previstas na cláusula de riscos excluídos da apólice.
A ação desencadeada pela polícia do Rio de Janeiro, contra o Comando Vermelho, que resultou na morte de perto de 120 pessoas, serve de pano de fundo para explicar a regra do seguro – quando ele paga e quando ele não paga, apesar da morte do segurado.
Supondo que todos os mortos, tanto os policiais como os criminosos, tivessem seguros de vida, o que é pouco provável, nós temos um único evento que dá origem ao direito a indenização, mas temos duas consequências distintas, uma em que a garantia é paga, e outra em que ela é negada pela seguradora.
Em princípio, o seguro de vida indeniza mortes por qualquer causa, incluído o suicídio, depois de uma carência legal. É uma garantia ampla, que resultou no pagamento de indenizações inclusive aos mortos por Covid19, durante a pandemia, ou seja, é uma das mais abrangentes garantias oferecidas pelo mercado segurador.
Com base nela, e na inclusão da cobertura para morte por homicídio entre as hipóteses de indenização, seria de se esperar que tanto os beneficiários dos policiais mortos, como os dos criminosos mortos fizessem jus a indenização de seus seguros de vida.
Mas não é assim que funciona. No caso em tela, a indenização pelas mortes dos policiais é indiscutível. Já a dos criminosos, não. A razão para isso está no clausulado do seguro. O seguro existe para garantir o pagamento das indenizações devidas em função de eventos cobertos decorrentes de atividades legais.
Não há o que discutir, os quatro policiais mortos na ação estavam agindo dentro da lei e foram mortos por tiros disparados por criminosos, agindo fora da lei. Ou seja, os policiais não desafiaram o clausulado do seguro, ao contrário, eles estavam atuando rigorosamente dentro de seu escopo profissional, o que dá o suporte necessário para seus beneficiários terem direito a receber a indenização do seguro de vida.
Já os criminosos mortos estavam fora da lei, enfrentando a bala os policiais encarregados de prendê-los. O simples fato de estarem praticando uma ação ilegal desobrigaria a seguradora do pagamento da indenização. Mais do que isso, a ação não era apenas ilegal, era dolosa, ou seja, ao atirar contra os policiais os criminosos tinham a intenção de matá-los.
Mas o seguro de vida vai além, o clausulado determina que aquele que morre em consequência da reação legal a uma ação criminosa perde o direito a indenização. E mais, aquele que agrava deliberadamente o risco também deixa de ter direito a indenização. No caso, ao enfrentarem a tiros os policiais encarregados de prendê-los, os criminosos agravaram deliberadamente o risco.
Assim, o mesmo evento pode ter resultados diferentes para as apólices de seguros. As indenizações pelas mortes dos policiais são indiscutivelmente devidas, enquanto as indenizações decorrentes da morte dos criminosos podem ser negadas.
* Antonio Penteado Mendonça é escritor, advogado sócio da Penteado Mendonça e Char, formado pela USP, com especialização em Direito Ambiental pelo DSE, na Alemanha, e em Seguros pela FGV-Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Também é professor, palestrante, escritor e ex-presidente da Academia Paulista de Letras.
Fonte: Estadão