Artigo: o absurdo custa caro
16 de janeiro de 2018De acordo com a Polícia Rodoviária Federal, de cada dez motoristas parados nos comandos montados nas rodovias durante as festas de fim de ano seis foram autuados. É número para ninguém colocar defeito e só não é o mais impactante porque as imagens dos acidentes acontecidos em todo o Brasil são dramáticas e muito mais chocantes do que as fotos inseridas nos maços de cigarro.
Se foto mudasse o comportamento da população, o ideal seria encher as margens das rodovias de fotografias sem retoque, mostrando o estado dos veículos e o estrago causado pelos acidentes de trânsito na vida das pessoas, no futuro das famílias e nos custos da Previdência Social.
Mas foto não resolve. A prova disso é que os congestionamentos causados pelos acidentes costumam ser menores do que os congestionamentos na pista no outro sentido, causado pelos motoristas sedentos de sangue, que diminuem a velocidade para ver de perto o tamanho do estrago e não perder nenhum detalhe da carnificina.
Curiosamente, se reduzem a velocidade para ver o acidente, raramente param para auxiliar no socorro às vítimas. “Isso não é comigo, outro que o faça, eu tenho hora para chegar”.
A verdade é que os acidentes nas estradas e ruas do País são apenas um pequeno pedaço do iceberg formado por perto de 50 mil mortos e 600 mil inválidos permanentes, consequentes da falta de responsabilidade, noção de solidariedade, condições de dirigir, corrupção e falta de educação que permeiam nossas ruas e causam danos comparáveis às baixas anuais das piores guerras do planeta.
A violência do trânsito brasileiro só perde para a violência pura que corre solta principalmente pelas periferias das grandes cidades e que consegue a proeza de assassinar 60 mil pessoas todos os anos.
Não é preciso nenhuma pesquisa sofisticada para entender o quadro. Basta dirigir pelas ruas das cidades para ver a tranquilidade com que se cometem todos os tipos de infração, da mais simples à mais grave. De dirigir sem cinto de segurança a falar no telefone celular, tudo acontece sem maiores problemas, 24 horas por dia, em todo o território brasileiro.
Não há mais mão de direção, não há respeito às luzes dos semáforos, não há faixa de pedestres para os pedestres atravessarem como se fossem os donos da rua. Nem preferência para quem quer que seja. Da mesma forma, não há respeito aos limites de velocidade, nem critério para defini-los, nem agentes em número suficiente, não para simplesmente multar, mas para tentar fazer cumprir as regras básicas de trânsito e melhorar a situação.
O drama é muito mais severo e suas origens passam pelo desmonte do ensino brasileiro. Das creches aos cursos de pós-graduação, o ensino se transformou em negócio e negócio altamente rentável, preferencialmente deixando de lado a qualidade, pouco se lixando para os cidadãos que serão formados.
O resultado está no retrato do Brasil hoje. Não vamos nos enganar que o problema se resume aos políticos e que basta trocá-los para resolver tudo. Não é por aí. Os políticos são eleitos por nós. Vivem na mesma região que seus eleitores, invariavelmente já cumpriram outros mandatos. Quer dizer, são conhecidos. E são eleitos porque a sociedade os elege. O sistema eleitoral os elege, as regras do jogo os elegem.
Impunidade, corrupção e nepotismo custam muito caro. Mas mais caro ainda custa a incompetência. A maioria dos acidentes de trânsito acontece por incompetência dos motoristas. Outra parte pela imprudência e pela negligência. Finalmente, o “sabe com quem está falando?”, a soberba, a autoconfiança típica dos despreparados, também cobra seu pedágio de mortes e invalidez permanente.
Enquanto não se mudar isso, não tem jeito, seguro vai custar caro. Todas estas forças negativas atingem diretamente o custo do seguro e aumentam a sinistralidade. Ou o Brasil promove as mudanças necessárias, começando pela educação, saúde, segurança pública e regras para a política, ou não tem jeito. Vamos continuar rastejando na lama por toda a eternidade. E pagando caro por isso.
Fonte: Antonio Penteado Mendonça, O Estado de São Paulo – 15/01/2018