Artigo: O resseguro e o seguro rural
7 de outubro de 2024Por Antonio Penteado Mendonça*
O Brasil queima fora de controle e parte destes incêndios atinge áreas manejadas pelo agronegócio, muitas delas seguradas por apólices de seguro rural. O seguro rural tem cobertura para fogo e os prejuízos estimados para os canaviais paulistas destruídos pelas chamas passam de um bilhão de reais. Não é provável que todos os canaviais estejam segurados, mas uma parte considerável está coberta. Então, as seguradoras que operam na carteira estão fazendo suas contas para dimensionar sua exposição direta e indireta a estas perdas.
As seguradoras têm um limite operacional que baliza sua capacidade de retenção de riscos. Elas não podem ficar com valores acima dele porque estariam desequilibrando sua capacidade de retenção e comprometendo sua capacidade de pagar as indenizações. Os valores que ultrapassam o limite de retenção têm que ser repassados para outra seguradora ou para resseguradoras, que dão a capacidade necessária para o risco ser integralmente segurado, protegendo adequadamente o segurado e garantindo a solidez da companhia.
O repasse dos excedentes para outra seguradora é a operação de cosseguro. Nela a seguradora cedente pode fazer o repasse por conta de um acordo operacional com a congênere ou pode fazer a transferência por ordem do segurado. O cosseguro não é mais do que uma série de apólices gerenciadas por uma seguradora líder, que emite um único documento com as características do seguro contratado e o rol das cosseguradoras e faz a gestão do seguro durante sua vigência.
O resseguro é a cessão do excedente da capacidade da seguradora para uma ou várias resseguradoras, que são empresas especializadas neste tipo de operação. A grande diferença entre uma seguradora e uma resseguradora é que a seguradora aceita o risco do segurado e a resseguradora aceita o risco da seguradora. Numa operação desta natureza as seguradoras podem contratar mais de um tipo de resseguro e não é obrigatório que todos sejam aceitos pela mesma resseguradora. Mas este não é o tema do artigo. O que interessa é qual o impacto dos incêndios que assolam o Brasil sobre a oferta de resseguro para as seguradoras nacionais.
Alguns anos atrás, o seguro rural brasileiro foi altamente rentável, tanto que várias companhias que nunca tinham operado na carteira entraram no risco. O problema é que esse quadro mudou e, em dois anos, grande parte do lucro dos cinco anos anteriores foi embora, devorada pelos sinistros que atingiram, primeiro, o Rio Grande do Sul, depois, o Centro-Oeste, de novo, o Rio Grande do Sul e que, agora, se espalham pelo país, com os maiores danos concentrados em São Paulo.
Quando o seguro rural gerou prejuízos de vulto, especialmente no Rio Grande do Sul, as resseguradoras internacionais tomaram dois caminhos. Umas pararam de operar nesse ramo no Brasil e outras elevaram significativamente o preço do resseguro. Agora, não é de se esperar qualquer ação diferente. O problema é que os números deste ano devem ser bem maiores. Elas terão que fazer frente a centenas de milhões de reais em sinistros. Então, nos resta esperar para ver quem vai ficar e quem vai sair.
* Antonio Penteado Mendonça é escritor, advogado sócio da Penteado Mendonça e Char, formado pela USP, com especialização em Direito Ambiental pelo DSE, na Alemanha, e em Seguros pela FGV-Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Também é professor, palestrante, escritor e ex-presidente da Academia Paulista de Letras.
Fonte: Estadão