Artigo: Seguro não é feito para dar lucro para segurado
29 de março de 2021A operação de seguro tem quatro mil anos de história. Na antiga Mesopotâmia já existia uma operação semelhante, com o objetivo de garantir o ressarcimento das perdas dos integrantes das caravanas. A operação, grafada em tábuas de escrita cuneiforme, mostra que à época já existia um seguro de transporte terrestre, destinado a fazer frente aos prejuízos sofridos pelos mercadores em suas viagens pela região.
Sua essência é a mesma dos seguros modernos, a repartição proporcional dos prejuízos entre todos os componentes do grupo. Em outras palavras, todos, de forma proporcional à sua participação no bolo – no caso, a caravana –, assumem parte das perdas dos que são atingidos por eventos danosos, que, no caso, variavam de ataques de feras a tempestades de areia, de assaltos a morte dos camelos.
O objetivo da operação era reduzir as perdas dos mercadores. E essas perdas não eram iguais. Um podia perder três camelos, outro, a carga de dois animais, enquanto um terceiro não perdia nada. Visando a responsabilização de todos na minoração dos prejuízos sofridos, depois de encerrados os negócios, o saldo total da viagem era dividido proporcionalmente entre todos e as perdas de alguns eram suportadas pelo grupo, inclusive os diretamente prejudicados pelos eventos danosos.
Concebido para reduzir perdas, o instituto não poderia, em hipótese alguma, servir para dar lucro para quem quer que seja. Daí os atingidos pelos sinistros também terem sua parte proporcional dentro do todo abatida dos valores que lhe fossem pagos.
Essa regra é essencial para o instituto do seguro moderno. A operação de seguro não existe para dar lucro ao segurado. Sua razão de ser é pagar a reposição de patrimônios e capacidades de atuação no estado em que se encontravam no momento anterior à ocorrência do evento danoso previsto no contrato.
Repor patrimônio e capacidade da atuação nas condições em que se encontravam no momento anterior ao evento que causou o dano não é simplesmente substituir o bem atingido por outro novo. Se isso acontecesse, o segurado estaria tendo um ganho, representado pela diferença a mais do valor do bem novo em relação ao valor do bem perdido. Repor o patrimônio nas condições anteriores à ocorrência do sinistro é fazer o pagamento da indenização levando em conta o valor real do bem atingido no momento e local dos fatos. É o chamado valor atual. Ele leva em conta a depreciação pelo uso, deterioração e valor de mercado, além de uma série de outras variáveis que podem interferir aumentando ou reduzindo o valor do bem e, consequentemente, o valor da indenização.
Existem situações, inclusive, em que não há a possibilidade do pagamento da indenização ser feito pelo valor atual. Não há como reconstruir um prédio pelo seu valor depreciado, o custo de reconstrução é obrigatoriamente maior, já que serão utilizados materiais novos, obrigatoriamente comprados pelo seu preço de mercado.
O seguro prevê essa situação. Para isso, a apólice pode ser contratada com cláusula de valor de novo.
Mas a indenização não é paga diretamente pelo valor encontrado numa tomada de preço no mercado. Para que isso ocorra, são necessários alguns passos. O primeiro é o estabelecimento do valor atual, ou o valor do bem no momento anterior à sua perda, no local em que se deu. Essa é a indenização básica que a seguradora paga ao segurado, porque esse é o valor real da perda sofrida.
Definido esse total, a seguradora faz a conta entre a diferença da indenização pelo valor atual e o valor de reposição do bem novo, na data em que ela é feita. Se houver capital segurado para isso, a seguradora efetua o complemento da indenização pelo valor de novo do bem. Mas ele só é feito caso o segurado faça a reposição física do bem, dentro de um período de tempo predefinido. Se o segurado decidir não repor o bem danificado e simplesmente receber a indenização, ele pode, porque é seu direito. Mas, nesse caso, a seguradora paga apenas o valor atual. Sem repor o bem, o valor de novo seria lucro e seguro não existe para dar lucro ao segurado.
Fonte: Antonio Penteado Mendonça, O Estado de São Paulo – 29/03/2021