Por Antonio Penteado Mendonça*
Você sabe o que é um jabuti? Isso mesmo, um tipo de tartaruga. Mas jabuti significa também uma ação regularmente praticada pelo Congresso Nacional, na qual nossos congressistas incluem num projeto de lei um artigo que normalmente não tem relação com a matéria tratada, mas que tem como consequência custar caro, criar subsídios, gerar despesas, além, evidentemente, de proteger algum amigo da corte.
Os jabutis são cada vez mais usados, mesmo não tendo nada a ver com o assunto regulado pelo projeto de lei. Por exemplo, uma lei que regulamenta a pesca da sardinha, de repente, tem uma emenda incluindo um artigo que cria subsídios para a geração de energia por usina termoelétrica.
O ruim é que normalmente a emenda é incluída e o artigo passa a valer, onerando a contas de milhões de consumidores que não têm nada com isso.
Foi assim que na área de seguro, a lei que criou as Letras de Risco de Seguros trouxe também uma profunda modificação na atividade de corretor de seguros.
Este é um risco que a sociedade brasileira aprendeu a suportar. Não há o que fazer, exceto ficar esperto e agir prontamente quando o jabuti for colocado na árvore.
É o caso da lei 15.042/24, modificada pela lei 15.076/24, que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Em seu artigo 56 ela impõe as sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar, sociedades de capitalização e resseguradoras locais a aquisição mínima de ativos ambientais. Para ser mais exato, a lei determina que estas entidades apliquem anualmente, no mínimo 0,5% de suas reservas técnicas e provisões em ativos ambientais.
Eu já tratei deste tema em outro artigo. A primeira pergunta que não quer calar é por que apenas estas entidades e não todas as entidades do sistema financeiro? A resposta do Congresso é fascinante: estas entidades movimentam reservas significativas e uma pequena parte delas poderia ser utilizada para custear as operações de proteção do meio ambiente, mediante a aquisição de títulos ou cotas de fundos emitidos por empresas com essa finalidade.
O que faltou ser dito é que esses títulos não estão regulamentados e que não há nada que fale em controle ou reparação dos danos causados pelas empresas emissoras que venham a quebrar ou ter problemas de liquidez.
É importante salientar que as reservas do setor de seguros não pertencem as companhias, mas aos segurados e consumidores e que elas têm a função legal de garantir o adimplemento das obrigações contratuais das empresas. Investir 0,5% destes recursos em títulos sem qualquer garantia colocaria em risco a capacidade do setor honrar seus compromissos.
Um exemplo de que isso pode acontecer é o escândalo do Banco Master. Atuando num segmento altamente regulamentado e fiscalizado, com a possibilidade de ações do Banco Central para proteger o sistema, o banco comprou títulos com valor real discutível e os colocou em seus ativos, o que distorceu o balanço e levou a sua quebra e a um rombo estarrecedor.
Será que tem sentido colocar em risco bilhões de reais de pessoas que acreditam no setor de seguros?
* Antonio Penteado Mendonça é escritor, advogado sócio da Penteado Mendonça e Char, formado pela USP, com especialização em Direito Ambiental pelo DSE, na Alemanha, e em Seguros pela FGV-Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Também é professor, palestrante, escritor e ex-presidente da Academia Paulista de Letras.
Fonte: Estadão