Artigo: Riscos excluídos
23 de março de 2020A declaração pela OMS (Organização Mundial da Saúde) da pandemia do novo coronavírus traz à baila uma questão da maior importância para todos os segurados, de todos os tipos de apólice que possam gerar sinistro em função da propagação do Covid-19 pelos mais de 150 países atingidos.
A cláusula que todo segurado deveria ler é a dos riscos excluídos. Riscos excluídos são os riscos que, independentemente do ramo e das garantias oferecidas, em caso de sinistro, o seguro não indeniza.
Não há apólice de seguro que não contenha cláusula de riscos excluídos, até porque as seguradoras devem demonstrar claramente as razões pelas quais deixam de pagar uma indenização, ainda que, em teoria, estando coberta.
As razões para o não pagamento da indenização em função da cláusula de exclusão de riscos são variadas e têm razões diferentes, que vão desde a participação dolosa do segurado no evento danoso, até situações em que a sobrevivência do próprio setor de seguros pode ser posta em xeque.
Dois exemplos dessas situações seriam o assassinato do segurado pelo beneficiário do seguro de vida e a eclosão de uma guerra nuclear global. No primeiro caso, teríamos um ato criminoso praticado pelo beneficiário do seguro para receber a indenização e, no segundo, teríamos a destruição da sociedade humana como a conhecemos. A função do seguro não é premiar um ato doloso do beneficiário do seguro, mas pagar indenizações dos sinistros cobertos em que não haja sua participação criminosa. No caso de uma guerra nuclear global, a sociedade como a conhecemos seria destruída, não havendo, em consequência, seguradora para pagar a indenização, nem segurado para recebê-la.
A primeira providência de quem contrata um seguro deveria ser sempre, antes de assinar, ler as condições estabelecidas no contrato. A operação de seguro se materializa através da assinatura de um contrato entre a seguradora e o segurado, no qual estão estabelecidas todas as condições da avença, começando pelo que está coberto, como está coberto, por que valor e que prazo está coberto; passando pelo que está excluído e quais os bens não cobertos; seguindo em frente com o preço e a forma de pagamento da apólice, a definição do sinistro, as providências para avisar o sinistro, o processo de regulação do sinistro, os casos de perda de direito à indenização, o pagamento da indenização e, finalmente, a renovação do seguro.
O contrato de seguro é um contrato complexo, com particularidades únicas. Ele é
um contrato aleatório e de resolução futura. Quer dizer, o sinistro pode ou não acontecer. Assim, ele só pode acontecer depois da contratação do seguro. É um contrato oneroso para o segurado, que paga o seguro, e para a seguradora, que, mesmo que não pague a indenização, tem custos para poder operar. E é de boa-fé entre as partes.
Raramente um brasileiro lê a apólice. Assim, é comum o “achismo” prevalecer em relação ao clausulado do contrato, o que pode levar a uma série de surpresas desagradáveis depois da ocorrência do sinistro. A mais comum é o cidadão achar que estava coberto e descobrir que a indenização não será paga porque aquela situação estava excluída pela apólice.
A pandemia do coronavírus traz para o dia a dia das pessoas uma série de situações envolvendo seus seguros, dos mais diferentes ramos. E, justamente por se tratar de uma pandemia, a maioria delas não tem cobertura.
Cada seguradora redige suas apólices como quer, usando redação própria. Como o que vale é o que está escrito, duas apólices para o mesmo risco, mas com redações diferentes, podem indenizar ou excluir um determinado evento.
A imensa maioria das apólices têm exclusão expressa para todas as consequências de uso militar ou civil de energia nuclear, guerra, revolução, terrorismo, atos dolosos do segurado e epidemias e pandemias.
Assim, a não ser que a apólice não tenha a previsão expressa da exclusão, a seguradora pode negar a indenização decorrente de sinistro ocasionado pela pandemia do coronavírus.
Fonte: Antonio Penteado Mendonça, O Estado de São Paulo – 23/03/2020