Artigo: Seguro e pandemia
4 de maio de 2020Desde que a pandemia do coronavírus chegou a São Paulo me perguntam sobre a sua cobertura nas apólices de seguros. Mais uma vez, a resposta é depende. Depende da apólice, do risco, das cláusulas e da redação. A contratação de um seguro é um ato jurídico e a sua contratação, feita dentro dos limites da lei, é um ato jurídico perfeito, ou seja, gera efeitos e não pode ser cancelado sob alegações como “o segurado não sabia”.
Se a razão da hipotética irregularidade está escrita com o destaque exigido pela legislação consumerista, não há que se falar em “o segurado não sabia”. No caso, o segurado não sabia porque não leu o contrato, consequentemente, o seu desconhecimento não pode ser invocado como causa de anulação de um ato jurídico perfeito.
Assim, se na cláusula de riscos excluídos a apólice elenca as epidemias e pandemias, a seguradora, respeitada a redação do contrato, pode negar a indenização de um sinistro decorrente de epidemia ou pandemia.
Riscos excluídos são riscos que, apesar de poderem ser cobertos, ou estarem genericamente elencados nos riscos cobertos pelo seguro, não são indenizados em caso de sinistro, desde que claramente elencados na cláusula de riscos excluídos, a qual deve ser grafada com destaque, para chamar a atenção do segurado para tópico que reduz seus direitos.
É comum entre os riscos excluídos constarem guerra, revolução, terrorismo, acidentes nucleares ou explosões e vazamentos de material nuclear, atos dolosos do segurado, etc.
Entre os riscos excluídos, a maioria das apólices traz as pandemias e epidemias. Foi por aí que o assunto entrou na vida de várias pessoas que, ao reclamarem indenizações, especialmente em apólices de seguros viagem, em função de prejuízos decorrentes da pandemia do coronavírus, tiveram seus pedidos negados, com base na exclusão de pandemias ou epidemias constante da cláusula de riscos excluídos.
Por que as pandemias e epidemias constam dessa cláusula? A resposta é simples: as seguradoras privadas não têm tamanho para responderem pelas indenizações geradas pelas grandes catástrofes que se abatem sobre a sociedade.
Da mesma forma que uma seguradora não pode fazer frente ao holocausto nazista ou à explosão da bomba atômica de Hiroshima, ela não tem condições de enfrentar um evento com potencial para matar milhões de pessoas, como é uma pandemia ou uma epidemia de grandes proporções. Esses eventos só podem ser suportados pelo Poder Público, através de ações conduzidas pelos Estados, os únicos órgãos com capacidade para assumir perdas dessa natureza. Mas esta é a regra internacional, que no Brasil se aplica só mais ou menos. Quer dizer, o que vale para nações onde a segurança jurídica é pedra basilar do ordenamento social, pode não valer para nações como o Brasil, nas quais a segurança jurídica é assunto bastante discutível e mutante. Ainda mais quando o tema é o ato jurídico perfeito que diz que uma pandemia não deve ser indenizada por uma seguradora, mas que, do outro lado, tem um Estado omisso, deixando de socorrer milhões de pessoas atingidas por ela.
Além disso, em algumas situações, as próprias seguradoras modificam tacitamente as exclusões de suas apólices, ao atenderem, como foi o caso dos planos de saúde privados, as vítimas de dengue, chikungunya, gripe, sarampo, etc., todas epidemias, portanto, riscos excluídos, mas que tiveram os custos dos tratamentos dos segurados indenizados por elas.
Quem atende dengue não pode alegar que o coronavírus é risco excluído para não pagar os custos do seu tratamento. É preciso dizer que os planos de saúde privados, até onde eu sei, atenderam as vítimas da pandemia sem levantarem qualquer objeção.
A outra situação que poderia criar algum atrito é a dos seguros de vida, os quais costumam ter exclusão para pandemias e epidemias, mas que, aqui, também não deve gerar maiores tensões. As principais seguradoras já informaram que irão pagar as indenizações de mortes causadas pela covid-19, então não é necessário se cogitar em falsificar o atestado de óbito, como foi sugerido em mais de uma rede social.
Fonte: Antonio Penteado Mendonça, O Estado de São Paulo – 04/05/2020